Mais de dez anos perdidos: O fracasso do HDRadio em um Brasil ainda sem rádio digital
- Ricardo Gurgel
- há 4 dias
- 9 min de leitura
Tenho uma postagem no meu antigo blog, https://rnradio.blogspot.com/2008/12/sistema-de-rdio-digital-brasileiro.html, de dezembro de 2008, onde já antecipava o fracasso da escolha brasileira em apostar no sistema HDRadio como solução para a digitalização do rádio no país.
Estamos em 2025, e o assunto já não é sequer mencionado há anos, como se tivesse havido uma desistência tácita por parte do governo, do órgão regulador e das próprias emissoras, principalmente as paulistas, que foram as mais empolgadas e diretamente envolvidas com o caríssimo e tecnicamente polêmico HDRadio.
Diferente de outros modelos adotados pelo mundo, que se baseiam em faixas separadas para os sinais digital e analógico, o HDRadio tentou forçar uma coabitação dos dois sinais na mesma frequência, numa fronteira tênue entre o funcionamento e a interferência mútua. O resultado? O sinal digital precisou ser severamente atenuado para não destruir o sinal analógico, o que comprometeu a cobertura, a qualidade e a confiabilidade do novo sistema.
Na televisão digital, que é uma realidade consolidada no Brasil, mesmo sendo muito mais cara, nós não tivemos esse problema, justamente porque nunca se tentou sobrepor os sinais. Talvez você se lembre do canal 11 analógico e veja que hoje continua existindo o canal 11 digital. Mas, na prática, a frequência de transmissão é completamente diferente, apenas o "apelido" do canal foi mantido.
Na Europa, o rádio digital já é realidade há muitos anos, sem os traumas vividos pelos americanos com o HDRadio. A diferença de qualidade sonora é gritante. A ausência total de chiados e a clareza de áudio tornam a experiência extremamente agradável e isso seria um enorme diferencial para o rádio tradicional, justamente numa era em que os streamings já entregam fidelidade altíssima em sistemas automotivos, caixas JBL e tantos outros “brinquedos de ouvido”.
Abaixo um resumo do que pensava na época
Postagem de dezembro de 2008
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Título: Sistema de Rádio Digital Brasileiro
O modelo de sistema digital de rádio que sonhei!
Dado o nevoeiro no caminho do HDRADIO que o ministro admitiu existir, me atrevo a propor ideias para um sistema de rádio digital para o Brasil.
Vamos primeiro atacar os mitos!
PREMISSA: Operação na mesma frequência (IBOC)
A primeira correção que eu faria seria na diretriz fundamental de que a emissora opere no modo digital na mesma frequência do modo analógico.
Motivo dessa diretriz: manter a identidade e audiência da emissora.
Observação: não existe, fundamentalmente, a operação na mesma frequência para transmissões digital e analógica. O que existe é uma operação em frequências laterais, muito próximas da frequência analógica em operação (o IBOC seria uma “ilusão de ótica” de uso da mesma frequência). Em muitas emissoras, principalmente AMs, existem problemas relativos à interferência da própria emissão digital sobre a analógica, além da destruição de emissões adjacentes de outras emissoras. Com isso, a geradora acaba sendo orientada a diminuir a potência da emissão digital.
O que tenho em mente é um misto do que vi em uso pelo mundo: algo do modelo japonês, um pouco do DAB e até outras experiências menos conhecidas e sem lobby de divulgação.
PROPOSTA SUBSTITUTA: Duplo Canal
(Para ser vendável no mundo, eu teria que batizar isso de DOUBLE CHANNEL)
Entendo que a manutenção da operação na mesma frequência é fundamental, mas apenas para o modo analógico. Como solução, todas as emissoras ganhariam automaticamente uma outra frequência em outra banda — provavelmente a única faixa disponível seriam algumas dezenas de canais em UHF. Os canais de TV (ocupantes eventuais) seriam realocados para cima ou para baixo. Tal faixa teria destino exclusivo para a transmissão digital, com características de potência equivalente ao modo analógico (ou seja, sem a redução necessária hoje para a convivência com o sinal analógico durante o período híbrido).
Observação: a emissora teria a possibilidade de ter programações diferentes entre os canais digital e analógico (multicast, que também era louvado pelo ministro). Não seria permitido que a emissora operasse em modo analógico na faixa destinada ao digital. Imagino que o público inicial seria o de maior poder aquisitivo, então existiria a necessidade de uma programação diferenciada para criação de audiência primária no sistema.
Possíveis questões:
1 – Não seria mais caro ter dois transmissores no modo DOUBLE CHANNEL?
R: A dificuldade de estabilidade técnica na convivência entre frequências geminadas do IBOC representaria um custo contínuo (técnicos especializados, equipamentos fabricados exclusivamente por montadoras licenciadas pela iBiquity, etc.). Isso tornaria tudo mais caro. A iBiquity ainda cobra royalties dos radiodifusores por toda a vida útil de operação (nos moldes da antiga assinatura da DirecTV).
2 – Mas os ouvintes terão dificuldades para sintonizar as frequências do modo digital?
R: O IBOC não resolve isso, pois para ouvir a transmissão digital, obrigatoriamente o ouvinte terá que comprar um novo equipamento compatível com IBOC (em 2008, isso custava cerca de U$100). Com o DOUBLE CHANNEL, os equipamentos novos (e qualquer sistema digital exigirá essa troca) ao menos trarão uma navegação organizada por canal na banda digital (ex: Canal 01 = Universitária; Canal 02 = desocupado; Canal 03 = 89FM; Canal 04 = Rádio Cidade…). Além disso, o receptor também incluiria a faixa analógica, permitindo ouvir emissoras que ainda não migraram ou simplesmente matar a saudade de ouvir uma “estaticazinha”.
Tudo hoje é baseado em memória — talvez você nem procure mais frequências, apenas saiba que a rádio tal está na memória número 2, fulano está na 5 — e isso já acontece com os rádios automotivos.
3 – Prefiro não precisar mudar de faixa!
R: Talvez isso nem seja tanta vantagem. Como as transmissões analógica e digital operam em frequências vizinhas no IBOC, o sinal digital precisa ser muito mais fraco para evitar interferência no sinal analógico da própria emissora. Um dos efeitos é que, em certos locais, o sinal digital é tão fraco que fica alternando com o analógico. Além da variação constante de qualidade, o sinal digital ainda tem 7 segundos de atraso (inerente à codificação e decodificação). Ouvir esse troca-troca é como entrar numa máquina do tempo maluca e chata.
Mudar de faixa não é tão difícil assim — você já faz isso ao trocar entre AM e FM, por exemplo.
4 – Em faixas diferentes, o sinal digital poderá usar mais potência?
R: Bingo! É isso mesmo. Como não há risco de comprometer o próprio sinal, pode-se usar FULL POWER.
5 – Duas faixas para a mesma emissora (digital + analógica)? Isso não é um desperdício?
R: Dezenas de canais UHF apenas com ruído rosa (fora do ar) é que são desperdício!
6 – E a manutenção?
R: A transmissão em IBOC apresenta um agravante: se for necessário solucionar um problema na transmissão digital, pode-se acabar criando um novo problema na analógica, e vice-versa. Além disso, certos problemas ficam mais difíceis de diagnosticar. Com dois transmissores (analógico + digital), o controle da situação é bem melhor.
Estamos em pleno processo de aprendizagem na digitalização do rádio e da TV. Nos Estados Unidos, após 5 anos da adoção do HDRADIO (sistema híbrido da iBiquity), temos apenas 10% das emissoras transmitindo em HDRADIO e apenas 0,5% dos ouvintes utilizando receptores compatíveis. Considerando o estágio de desenvolvimento do sistema na "pátria-mãe", a atenção à sua adoção no Brasil certamente será repensada (a adoção, que até pouco tempo atrás era tida como certa).
Não sou especialista no assunto (muito longe disso), mas sinto que o melhor seria um sistema simples e sem mistura de sinais. O consumidor se adapta rapidamente. A preocupação com a manutenção da mesma frequência desapareceria com a permanência da operação analógica pelo tempo necessário à transição. Após a maioria da população migrar, a sintonia digital se tornaria natural, sem necessidade de grandes aulas para ensinar como encontrar sua rádio digital favorita (isso é subestimar a inteligência das pessoas).
Mais uma vez lembro que hoje tudo é baseado em memorização de canais — quem sabe o controle de voz não facilite ainda mais a busca pela sua RÁDIO DIGITAL FAVORITA!
O índice de digitalização em países desenvolvidos é baixo. Quando muito, atinge 5% dos ouvintes. Caso o Brasil consiga chegar a 10% em 5 anos, o sistema brasileiro poderia ser adotado apressadamente por várias partes do mundo!
Se quiser, posso te ajudar também a escrever um comentário atual comparando o cenário de hoje com o que você previa na época — seria interessante ver o que mudou, o que continua igual, e o que até piorou. Quer seguir por esse caminho?
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Em 2008, escrevi este texto chamado “Sistema de Rádio Digital Brasileiro - modelo de sistema digital de rádio que sonhei”. Nele, eu já previa, com base em observações técnicas, culturais e mercadológicas, que o sistema híbrido HDRadio não era adequado para o Brasil. Hoje, em 2025, constato com pesar (mas sem surpresa) que o sistema fracassou.
O Brasil tentou empurrar o HDRadio como solução viável para a digitalização do rádio. Um sistema importado, pouco adaptado à realidade brasileira, baseado na premissa frágil de que era possível operar sinais analógico e digital colados, quase na “mesma frequência”. Na prática, o que se viu foram interferências, limitações técnicas severas e, principalmente, a total falta de adesão popular.
A promessa era ambiciosa: som de qualidade, recursos multimídia, novos canais. O que se entregou foi um sistema caro, restrito, elitista e com pouquíssimos receptores no mercado. Enquanto isso, o rádio tradicional seguiu sobrevivendo com seu bom e velho FM, e, ironicamente, a “digitalização” real aconteceu pela internet — via streaming, apps e plataformas de áudio.
Naquele texto de 2008, eu propunha uma alternativa: o modelo Double Channel. A ideia era simples — manter o analógico onde está, mas liberar uma faixa separada (como um pedaço do UHF) exclusivamente para o rádio digital. Nada de convivência forçada entre sinais diferentes. Cada modo no seu espaço, com liberdade técnica e editorial. As emissoras poderiam até ter programações distintas entre o digital e o analógico, criando novos públicos, novas linguagens.

Parecia utopia? Talvez. Mas era uma utopia mais possível e mais honesta que o que tentaram implementar. Era uma solução tecnicamente sólida, comercialmente viável e que respeitava o tempo de transição do público. Não exigia “milagres tecnológicos” nem ignorava a inteligência das pessoas, como se fosse necessário fazer grandes campanhas para ensinar o ouvinte a sintonizar sua rádio favorita.
As transmissões em HDRadio foram experimentais e abandonadas. O sonho de um sistema digital nacional, eficiente e popular, segue pendente.
Se há um aprendizado nisso tudo, é que tecnologia não se impõe por decreto, e sim por aderência real. O rádio, assim como a cultura, precisa de soluções que dialoguem com o contexto local, não de pacotes prontos importados, apoiados por lobbies e conveniências momentâneas.
Ainda dá tempo de repensar. Ainda é possível desenvolver um sistema de rádio digital brasileiro, que seja simples, robusto, justo e aberto ao futuro.
Mas, para isso, precisamos abandonar o medo de mudar de faixa, chegamos em 2025, e olha só a previsão de dezembro de 2008 se confirmou, o HDradio não se concretizou e estamos sem avanços para o rádio digital no Brasil.
Faixa AM para o RÁDIO DIGITAL
O AM é uma faixa de frequências — não uma limitação de qualidade sonora. E sim, é perfeitamente possível operar rádios digitais nessa faixa. Isso abre uma oportunidade concreta para iniciar, de forma organizada e sem traumas, o processo de digitalização das emissoras que hoje ocupam o dial AM.
Minha proposta é simples: as rádios que hoje transmitem em FM continuariam suas operações normalmente, mas ganhariam também o direito de operar um canal digital na faixa AM. A potência desse canal digital seria proporcional àquela que a emissora já possui no FM. Não seria idêntica, claro, pois AM e FM têm comportamentos técnicos muito diferentes, especialmente em alcance e propagação de sinal.
Provavelmente, seria necessário adotar um modelo de operação com potências variáveis — com transmissão plena durante o dia e potência reduzida à noite. Isso se deve à maior propagação do sinal AM no período noturno, o que poderia gerar interferências em emissoras de países vizinhos que ainda operam de forma analógica. Um sistema de categorização por potência e distância seria essencial para evitar conflitos internacionais.
O Brasil poderia, inclusive, assumir a liderança natural nesse processo de transição para o AM digital, o que abriria um novo e promissor mercado para a indústria nacional de equipamentos. É difícil imaginar que países como Argentina, Uruguai e outros da região não sintam a pressão para seguir o mesmo caminho, especialmente ao perceberem os benefícios técnicos e comerciais.
Esse seria apenas o primeiro passo rumo à digitalização total do rádio. No AM existe uma avenida aberta. A adoção de uma tecnologia digital nessa faixa poderia acontecer de forma orgânica e ganhar tração rapidamente.
E não precisa ser necessariamente o DRM — qualquer tecnologia que use a faixa AM com eficiência e qualidade pode cumprir esse papel. O importante é abrir esse caminho para o futuro do rádio.
Gostaria de não insistirmos mais no sistema híbrido
O sistema híbrido HDRadio nunca decolou de fato no Brasil — virou um “zumbi tecnológico”: presente em alguns testes e discursos, mas ausente do cotidiano da população.
A baixa penetração dos receptores digitais: até hoje, são caros, escassos e com pouquíssima adesão.
Os problemas de convivência entre digital e analógico: continuam gerando interferência e limitando a potência do digital.
A resistência da indústria brasileira: sem um modelo claro de negócios e com custo alto, o rádio digital nunca foi prioridade real.
O erro da tentativa de manter tudo na “mesma frequência”: o tal do IBOC ainda hoje parece mais uma gambiarra sofisticada do que uma solução eficiente.
A falta de planejamento do governo: a transição nunca teve uma política pública clara, contínua e com metas viáveis.
Um modelo simples, paralelo e mais flexível — o “Double Channel” teria sido mais honesto tecnicamente e mais didático para o público. Curiosamente, algo nessa linha (uso de faixas distintas para digital puro) foi cogitado em fóruns técnicos nos últimos anos, mas sempre esbarrando no lobby do modelo IBOC/iBiquity.
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